Muitas pessoas se encantaram com o desfile da G.R.E.S Paraíso do Tuiuti, escola de samba do Rio de Janeiro, neste ano de 2018 e de fato não há como negar que por vezes somos surpreendidos por enredos que fogem daquela normalidade entediante muitas vezes dominante neste tipo de espetáculo.
Bem, toda a repercussão na rede após a apresentação da escola carioca, me fez lembrar outro poderoso samba enredo lançado pela Estação Primeira de Mangueira no ano de 1988. Aliás, o ano de 1988 é simbólico de inúmeras maneiras e o movimento dos negros e negras não esqueceu de levar às ruas também neste ano, em essência, a mesma crítica que vimos agora apresentado de forma artística na Apoteose.
Deste modo, 130 anos após a assinatura da Lei Áurea em 13 de maio de 1888 a G.R.E.S Paraíso do Tuiuti proporciona uma excelente oportunidade para se construir uma reflexão necessária para pensar o país em que vivemos, acostumado a negar o apartheid que promove cotidianamente.
Deste modo, 130 anos após a assinatura da Lei Áurea em 13 de maio de 1888 a G.R.E.S Paraíso do Tuiuti proporciona uma excelente oportunidade para se construir uma reflexão necessária para pensar o país em que vivemos, acostumado a negar o apartheid que promove cotidianamente.
Afinal, ao questionamento proposto pelo título do enredo "Meu Deus, Meu Deus, Está Extinta a Escravidão?", podemos acrescer outros, como, por exemplo: 1) Quanto deixamos de ser uma economia agro-exportadora? 2) Quanto deixamos de ser Colônia de alguma superpotência global? 3) Podemos falar ainda de Casa Grande e Senzala?... e por aí vai.
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Documentos Escritos
1. Samba Enredo 2018 - Meu Deus, Meu Deus, Está Extinta a Escravidão? G.R.E.S Paraíso do Tuiuti
Irmão de olho claro ou da Guiné
Qual será o seu valor? Pobre artigo de mercado
Senhor, eu não tenho a sua fé e nem tenho a sua cor
Tenho sangue avermelhado
O mesmo que escorre da ferida
Mostra que a vida se lamenta por nós dois
Mas falta em seu peito um coração
Ao me dar a escravidão e um prato de feijão com arroz
Eu fui mandiga, cambinda, haussá
Fui um Rei Egbá preso na corrente
Sofri nos braços de um capataz
Morri nos canaviais onde se plantava gente
Ê Calunga, ê! Ê Calunga!
Preto velho me contou, preto velho me contou
Onde mora a senhora liberdade
Não tem ferro nem feitor
Amparo do Rosário ao negro benedito
Um grito feito pele do tambor
Deu no noticiário, com lágrimas escrito
Um rito, uma luta, um homem de cor
E assim quando a lei foi assinada
Uma lua atordoada assistiu fogos no céu
Áurea feito o ouro da bandeira
Fui rezar na cachoeira contra bondade cruel
Meu Deus! Meu Deus!
Seu eu chorar não leve a mal
Pela luz do candeeiro
Liberte o cativeiro social
Não sou escravo de nenhum senhor
Meu Paraíso é meu bastião
Meu Tuiuti o quilombo da favela
É sentinela da libertação
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2. Samba Enredo 1988 - 100 Anos de Liberdade, Realidade Ou Ilusão. G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira (RJ)
Pergunte ao Criador (pergunte ao Criador)
Quem pintou esta aquarela
Preso na miséria da favela
Livre do açoite da senzala
Será
Será, oh, será
Será que já raiou a liberdade
Ou se foi tudo ilusão
Não foi o fim da escravidão
Que a lei áurea tão sonhada
Há tanto tempo assinada
Hoje dentro da realidade
Não se esqueça que o negro também construiu
Onde está a liberdade
Onde está que ninguém viu
Moço
As riquezas do nosso brasil
Oh, moço
Quem pintou esta aquarela
Moço, não se esqueça que o negro também construiu
As riquezas do nosso brasil
Pergunte ao criador
Livre do açoite da senzala
Preso na miséria da favela
Preso na miséria da favela
Pergunte ao Criador (pergunte ao Criador)
Quem pintou esta aquarela
Livre do açoite da senzala
Sonhei que zumbi dos palmares voltou, ôô
Pergunte ao Criador (pergunte ao Criador)
Quem pintou esta aquarela
Livre do açoite da senzala
Preso na miséria da favela
Sonhei
A tristeza do negro acabou
Eis a luta do bem contra o mal (contra o mal)
Foi uma nova redenção
Senhor, oh, Senhor!
Eis a luta do bem contra o mal (contra o mal)
Que tanto sangue derramou
Contra o preconceito racial
Senhor, oh, Senhor!
Ele é o rei na verde e rosa da Mangueira
Que tanto sangue derramou
Contra o preconceito racial
O negro samba
O negro joga a capoeira
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3. ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de. Ouçam Salustiano. Revista de História da Biblioteca Nacional, n. 32, maio de 2008. Disponível em www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/oucam-salustiano. Acesso em 30 ago. 2014.
Vozes Negras
A abolição da escravidão, em 13 de maio de 1888, é vista, no imaginário de grande parte dos brasileiros como resultado da iniciativa da princesa Isabel. Neste texto, a autora mostra que os negros escravos foram os principais agentes dessa decisão.
"Em 1889, um grupo de libertos da região de Vassouras, no Rio de Janeiro, endereçou a Rui Barbosa uma carta na qual exigia instrução pública para seus filhos. (...) Os signatários da carta se declaravam republicanos e diziam que foram eles, os ex-escravos, e não a família real, os autores da abolição. Esta declaração de protagonismo não agradava a Rui Barbosa (1849-1923) e a outros "emancipacionistas" mais conservadores, para quem a abolição era um problema nacional que tinha sido resolvido pelos "cidadãos", os "homens esclarecidos", categorias que não incluíam escravos e libertos.
Mas nem de longe o fim da escravidão foi algo decidido e encaminhado apenas pelos senhores brancos e doutores do império. Desde que aqui aportaram os primeiros tumbeiros, as autoridades policiais e políticas eram sobressaltadas por fugas e insurreições escravas a comprometerem, dia após dia, os negócios, o sossego e a autoridade senhorial.
Na segunda metade do século XIX, a relevância da rebeldia negra para a falência do escravismo ficou ainda mais evidente. A historiografia está repleta de personagens negros que tinham na abolição a sua principal causa, como Luís Gama, José do Patrocínio e Manoel Querino. Houve outros menos famosos, mas também contundentes propagandistas da liberdade negra, como um certo Salustiano.
Ele ficou conhecido na crônica baiana como o orador do povo, graças à veemência com que discursava a favor da abolição e em apoio a José do Patrocínio sempre que se desincumbia dos seus afazeres de sapateiro. A pregação de Salustiano contrariava de tal maneira a ordem vigente que um delegado de Cachoeira, no Recôncavo Baiano, chegou a solicitar ao chefe de polícia orientação para fazer "calar o dito preto". (...)
A intensidade das revoltas e fugas coletivas foi uma das maiores evidências da crise do escravismo. A movimentação negra foi tão decisiva que um dos argumentos abolicionistas era de que só o fim do cativeiro libertaria o homem branco, visto como refém da resistência dos seus escravos.
Tinham razão os libertos de Vassouras ao reivindicarem a autoria da abolição.
Talvez por terem sido os ex-cativos os legítimos autores da sua liberdade, as comemorações do 13 de maio só existem hoje em comunidades negras, a exemplo dos candomblés do Recôncavo Baiano e dos congados do Sudeste."
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Documentos Áudio-Visuais
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