"Se vires alguém se afogando, deves pular na água e tentar ajudar, mesmo se não souberes nadar" - Stanislaw Krzyzanowski
Uma homenagem às Mulheres esquecidas pelo ilegítimo atual "governo"
Me irrita profundamente a obsessão do mundo contemporâneo por Adolf Hitler. Multiplicam-se no televisor e nas bancas, o seu rosto e sua história, já há algum tempo. Sempre me pergunto se tais publicações detratam ou engrandecem sua história? Meço e questiono pela curiosidade que os alunos e alunas levam para sala de aula. Não foram poucas as vezes que ouvi coisas do tipo: "Ele foi um grande líder!", "estrategista". Fico consternado ao ouvir isto, evidentemente, ao passo que sempre rebato por dever. "Um líder não leva o próprio povo à destruição!"; "Um verdadeiro líder não estrutura o seu poder sobre a destruição do outro!"; "O melhor estrategista não perde uma guerra!".
Os nazistas não merecem tanta atenção, penso, ao mesmo tempo que me vejo em um paradoxo. Os antigos teriam destruído os bustos, queimado os autos históricos, salgado a terra em tributo do esquecimento e da verdadeira e absoluta morte. Hitler é uma tragédia. O horror cometido por este imbecil gera um dever perante o evento. As vítimas não podem ser esquecidas. Penso que não é Hitler quem merece um tributo como lhe vem prestando os veículos de mídia. Mas sim àqueles que resistiram à ele e os seus cães de guarda!
Irena Sendler foi uma destas figuras que passaram pelo mundo sem que os seus passos fossem pesados o bastante para alertar os assassinos cães nazistas à serviço do fanatismo ao Estado e ao líder. Curiosamente, foi um cão treinado por Irena e seus amigos e amigas quem distraia os assassinos em guarda no Gueto de Varsóvia. Enquanto isto, as verdadeiras heroínas e heróis fugiam pelo caminho oposto carregando sobre os ombros, vidas.
Lembro-me que o primeiro filme sobre o Holocausto que eu vi, foi A Lista de Schindler. Uma frase ficou gravada em minha alma: Quem salva uma vida, salva o mundo! Irena Sendler, Irena Schultz, Matylda Getter, Stanislawa, Julian Grobelny, salvaram 2.500 vezes o mundo, sem dar um tiro, mas com o tamanho do seu coração!
São estas pessoas quem merecem que as suas histórias de extremo altruísmo sejam cantadas, virem publicações impressas ou programas televisivos, que ecoem no tempo e alimentem as memórias de todos(as) àqueles(as) que lutam para resistir as adversidades mais insuportáveis e aparentemente insuperáveis.
-------------------------------------------------------------------------------------
A história de Irena Sendler
Mesmo quando dormia, irena não
conseguia esquecer. Em sonhos, ela se via tirando uma criança, que chorava
desesperadamente, dos braços da mãe que lhe perguntava: 'jura que meu filho se
salvará?' Responsável por salvar 2.500 crianças do gueto de Varsóvia, irena
jamais esqueceu aqueles terríveis momentos em que era obrigada a separar os
filhos de seus pais.
Fonte: Artigo do International Herald tribune, Poland holds memorial service
for Irena Sendler, 15 maio de 2008
Irena Sendler faleceu no dia 12 de maio último, aos 98 anos. Jamais se
considerou uma heroína. Pelo contrário. Quando alguém mencionava sua coragem,
respondia: "Continuo com a consciência pesada de ter feito tão
pouco"...
O Instituto Yad Vashem reconheceu o valor dessa mulher extraordinária,
em 1965, concedendo-lhe o título de "Justo entre as Nações", mas
poucos conheciam sua história até menos de uma década atrás. Em 2000, o
silêncio que se formara em volta de seu nome foi quebrado, quase por acaso,
graças ao empenho das alunas de uma escola secundária de Uniontown, Kansas, nos
Estados Unidos: Megan Stewart, Elizabeth Cambers, Jessica Shelton, de 14 anos,
e Sabrina Coons, de 16.
No início do ano letivo de 1999, as quatro jovens, estimuladas por seu
professor, Norm Conard, se inscreveram no Concurso Nacional de História de seu
país para alunos do ensino médio. Na hora de escolher o tema, Conard
mostrou-lhes um recorte de 1994, do News and World Report, onde havia uma nota
sobre Irena Sendler, polonesa que salvara ao menos 2.500 crianças judias do
Gueto de Varsóvia. Mas, alertara o professor, era provável que houvesse um erro
tipográfico naquele número, pois jamais ouvira falar da tal senhora. As jovens
não tardaram a descobrir que os números eram exatos, mas que não faziam jus à
coragem e valor de Irena.
Nos primeiros meses de 2000, decidiram escrever uma peça teatral
baseada em sua vida, intitulada "Life in a Jar", Vida dentro de uma
garrafa. E, para grande surpresa, descobriram que Irena ainda estava viva e bem
de saúde, apesar de presa a uma cadeira de rodas, há anos, por lesões
provocadas pelas torturas que sofreu nas mãos da Gestapo. As jovens entraram em
contato com Irena e, a partir dali, mudaram sua vida.
A peça teve grande aceitação e foi representada centenas de vezes
através dos Estados Unidos e Canadá, até finalmente chegar aos palcos da
Polônia, além de ser transmitida pelo rádio e televisão.
Os primeiros anos
Irena nasceu em 15 de fevereiro de 1910, em Otwock, cidade próxima a
Varsóvia, filha única do casal Krzyzanowski. A família sempre manteve estreitas
relações com a comunidade judaica da cidade. O pai, Stanislaw, era médico e
entre seus pacientes havia vários judeus, muito dos quais sem recursos. Ardente
socialista, Stanislaw não cansava de ensinar à pequena Irena que o ato de
ajudar devia ser para todo ser humano uma necessidade que emanasse do coração,
não importando se o indivíduo a ser ajudado era rico ou pobre, nem a que
religião ou nacionalidade pertencia. Em 1917, Otwock foi tomada por uma
epidemia de tifo. Stanislaw, fiel aos seus ideais, não deixou a cidade e
continuou socorrendo os doentes. Ele mesmo contraiu tifo, mas antes de morrer
fez uma última recomendação à filha: "Se vires alguém se afogando, deves
pular na água e tentar ajudar, mesmo se não souberes nadar".
Na juventude, Irena estudou literatura polonesa e se filiou ao Partido
Socialista. Na década de 1930, quando o endêmico anti-semitismo polonês
aumentava sua virulência, Irena foi expulsa da Universidade de Varsóvia por
enfrentar um professor que obrigara os alunos judeus a se sentar em local
separado, na classe. A jovem foi para o "setor judaico" da sala e
quando o professor lhe disse para mudar de lugar, respondeu: "Hoje sou
judia".
Casou com Mieczyslaw Sendler, com o qual não teve filhos e passou a
trabalhar como assistente social. Quando os alemães invadiram a Polônia, em
setembro de 1939, ela trabalhava no Departamento de Bem-estar Social de
Varsóvia, única organização oficial polonesa autorizada a atuar no país, além
da Cruz Vermelha. Irena era responsável pela administração dos refeitórios
comunitários localizados em cada distrito da cidade, que, graças a ela,
distribuíam, além de alimento, roupas, medicamentos e algum dinheiro. E, quando
se tornou proibido atender os judeus, ela registrou aqueles que iam pedir ajuda
com nomes cristãos, fictícios. Para evitar visitas de inspeção, colocava nas
fichas que na família havia doença infecciosa, como tifo ou tuberculose.
Atuando dentro do Gueto de Varsóvia
Na Polônia, a perseguição nazista aos judeus iniciara-se imediatamente
após a invasão. Os alemães sabiam que o profundo anti-semitismo que permeava a
sociedade polonesa facilitaria a execução de seus planos para a comunidade
judaica. Em outubro de 1940, a Gestapo decretou a transferência imediata de
todos os judeus de Varsóvia para um antigo bairro que, em poucos meses, se
tornou um gueto no sentido mais nefasto da palavra. Rapidamente, levantou-se um
alto muro isolando seus habitantes da "Varsóvia ariana". O gueto, com
apenas 4 km2, com capacidade, em condições normais, para 60 mil pessoas, passou
a abrigar 380 mil judeus. Nos meses seguintes, outros 100 mil para lá foram
levados. Em menos de um ano, meio milhão de judeus estavam isolados e vigiados
de perto pelos nazistas, para impedir contatos com a parte 'ariana' da cidade.
Dentro do gueto, as condições de vida eram subumanas. As cotas de alimentos
eram mínimas, produtos sanitários e farmacêuticos em quantidade insuficiente.
Grande parte da população sequer tinha abrigo; quem conseguia algum cômodo o
partilhava, com mais 10 pessoas. Além das execuções sumárias, os nazistas
queriam matar os judeus de fome, frio e doenças. Entre o início de 1940 e
meados de 1942, uns 83 mil morreram.
Os números só não foram maiores porque os judeus conseguiam
contrabandear para dentro dos muros alimentos e remédios. Instituições judaicas
atuavam dentro do gueto tentando aliviar o sofrimento de seus irmãos. Entre
elas, a Sociedade Judaica de Ajuda Mútua, a Federação Judaica das Associações
de Orfanatos e Lares para Crianças e a Organização de Reabilitação através do
Trabalho (ORT). Até o final de 1941, quando os Estados Unidos entraram na
guerra e passou a ser proibido aos americanos remeter fundos a países sob
ocupação inimiga, as organizações recebiam recursos principalmente do American
Jewish Joint Distribution Committee.
Quando, em novembro de 1940, os portões do gueto se fecharam, Irena se
deu conta que 90% dos 3 mil judeus a quem prestava auxílio ficaram fora de seu
alcance. Mas não se deu por vencida. Em depoimento ao Yad Vashem, conta:
"Consegui, para mim e minha amiga Irena Schultz, identificações do
Gabinete Sanitário, que tinha como tarefa, entre outras, lutar contra as
doenças contagiosas. Aleguei que não íamos ajudar judeus, mas apenas fazer um
levantamento diário das condições sanitárias. Mais tarde, consegui passes para
outras colaboradoras". Irena Schultz também foi agraciada em 1965 pelo Yad
Vashem com o título de "Justa entre as Nações".
Com esse estratagema, as duas Irenas poderiam entrar no gueto quando
quisessem. Uma vez dentro, as jovens imediatamente reataram seus antigos
contatos. Diariamente - e mais de uma vez em um único dia - cruzavam os portões
levando escondido em suas roupas, alimentos, roupas, remédios e dinheiro que
obtinham do próprio Departamento de Bem-Estar Social, apresentando documentos
que elas mesmas falsificavam. Para não despertar a suspeita dos guardas
alemães, entravam sempre por portões diferentes e, uma vez dentro do gueto,
Irena usava no braço a Estrela de David. Além de ser uma forma de mostrar sua
solidariedade, ela se confundia entre a população e "ninguém me pedia
documentos ou questionava o que eu fazia".
Com o passar dos meses, as condições de vida no gueto se tornaram
ainda mais terríveis. Sabe-se que a partir de junho de 1941 o número mensal de
mortes chegou a 5 mil. Irena estava definitivamente convencida de que a única
forma de salvar alguém daquele inferno era ajudando-o a fugir. Passa, então, a
trabalhar na organização das fugas. Os primeiros a serem retirados foram as
crianças órfãs.
Em julho de 1942, os nazistas iniciaram a deportação em massa para o
campo de Treblinka. Tornara-se ainda mais premente remover do gueto o maior
número possível de pessoas. Irena já estava de posse de uma lista de endereços
onde os judeus poderiam ficar, principalmente as crianças, até conseguir
documentos de identidade "arianos" e encontrar um lugar onde viver em
relativa segurança. Sendler e Schultz conseguiram 3 mil documentos falsos.
Como as deportações continuavam sem tréguas, Irena decidiu procurar
ajuda e se filiou à Zegota, movimento clandestino com a infra-estrutura e o
dinheiro necessários. Esta organização, que contava com o apoio financeiro de
judeus britânicos, foi criada naquele fatídico mês de julho por poloneses
católicos, muitos, entre eles, membros da resistência, que se opunham ao
extermínio em massa de judeus. O objetivo era ajudar os judeus a sobreviver em
meio à população local. Infelizmente quando começou a operar, no final de 1942,
já era tarde para a maioria dos judeus de Varsóvia. Mais de 280 mil já haviam
sido mortos em Treblinka. No entanto, ainda havia milhares dentro do gueto e
outros tantos vivendo escondidos em Varsóvia e outras cidades.
Usando o codinome Jolanta, Irena se tornou uma das principais
ativistas da Zegota. Comandava uma equipe de 25 pessoas incumbidas de tirar
crianças do gueto, obter documentos falsos e encontrar uma família ou local
onde as abrigar - algo não tão fácil de conseguir.
O resgate de uma criança judia requeria a ajuda de no mínimo dez
pessoas. O primeiro passo era fazer contato com as famílias dentro do gueto.
Persuadir pais a se separarem dos filhos era uma tarefa dolorosa. "Eu
ouvia sempre a mesma pergunta: 'Jura que o meu filho viverá?' Mas o que podia
prometer? Sequer sabia se conseguiria tirá-los com vida...", lembrava
Irena. "A única certeza era que se lá permanecessem, a probabilidade de
sobreviver era praticamente nula. Eu sabia que os primeiros a serem mortos
pelos nazistas eram as crianças. Às vezes, o pai aceitava a idéia, mas a pobre
mãe relutava; era como rasgar sua carne. Em outras ocasiões, era o contrário.
Eu entendia a dor deles, mas a indecisão foi fatal, em muitos casos. Quando
voltava para tentar fazê-los mudar de idéia, já não mais os encontrava...
Haviam sido levados para os campos da morte".
Durante os últimos três meses antes da liquidação do gueto, lutando
contra o tempo, Sendler e Schultz retiraram 2.500 crianças. As duas jovens
levavam-nas, às vezes, por corredores subterrâneos do edifício do Tribunal,
localizado entre o gueto e o lado ariano; outras vezes, através de uma igreja
que tinha acesso pelos dois lados; ou mesmo pelos esgotos. Alguns eram
escondidos dentro de ambulâncias. Crianças pequenas eram sedadas para não fazer
barulho. Nas mãos de Irena qualquer coisa se transformava em instrumento de
fuga: sacolas, latas de lixo, sacos de batatas, caixões. Chegou a esconder
algumas dentro de seu casaco! Já fora dos muros, as crianças eram levadas para
locais onde iam ficar até serem entregues a famílias ou instituições religiosas
confiáveis.
No entanto, escapar do gueto era mais fácil do que sobreviver no lado
"ariano". Irena conseguira recrutar pelo menos uma pessoa em cada um
dos centros do Departamento de Bem-estar Social, que a ajudaram a forjar
centenas de documentos. Para escondê-las, contou com o auxílio de várias
instituições religiosas. Entre estas, o Convento da Família de Maria, dirigido
pela madre superiora Matylda Getter, e o de Turkowice, dirigido pela madre
superiora Stanislawa. Neste último, Irena contava ainda com a ajuda das Irmãs
Irena e Hermana, que sempre que recebiam uma mensagem codificada corriam a
Varsóvia para buscar as crianças. As quatro freiras foram também agraciadas
pelo Yad Vashem, em 1965, com o título de "Justos entre as Nações".
Em seus relatos depois da guerra, Irena deu os nomes de várias pessoas
que a ajudaram, entre estas, Jan Dobraczynski. Membro de um partido cristão de
extrema direita, com uma plataforma anti-semita, Jan era diretor do
Departamento de Bem-estar Social de Varsóvia. Graças à sua função, ele
conseguia documentos para as crianças, nos quais atestava serem cristas, órfãs
ou carentes, para que as instituições cristãs as admitissem. Salvou assim mais
de 300. Jan Dobraczynski também foi reconhecido pelo Yad Vashem com o título de
"Justo entre as Nações".
No entanto, de todos os seus colaboradores dentro do Zegota, Irena
tinha mais afinidade com Julian Grobelny, de codinome Trojan. Um homem de grande
coração, completamente devotado a salvar os que estavam em perigo. Irena contou
que, certa vez, ele a chamou para juntos buscarem uma menina judia que estava
em estado de choque havia vários dias. Assistira sua mãe ser morta de forma
bestial. "Quase fomos presos durante a viagem", lembrou Irena,
"e como ele era pessoa vital para a resistência, sugeri prosseguir
sozinha, mas Grobelny recusou indignado. Ao encontrar a menina, ele a pegou no
colo e, falando devagar, carinhosamente, conseguiu fazê-la sair do torpor, até
que ela conseguiu balbuciar: 'Não quero ficar aqui, me leva daqui'. Trojan,
então, me pediu que encontrasse um lar onde aquela inocente encontrasse
afeto".
Irena e todos os demais sabiam que, se fossem presos, seriam
fuzilados. Cartazes por toda Varsóvia alertavam que a pena para quem escondia
judeus era a morte e não faltavam pessoas dispostas a ganhar com a tragédia,
chantageando os judeus e, em seguida, ganhando ainda mais ao entregá-los aos
alemães, em troca de alguma recompensa.
Irena Sendler se preocupava com o futuro das crianças. Vejam como ela
mesma descreve os cuidados que tinha para, um dia, poder recuperar suas
identidade: "Escrevia em papel de seda os nomes das crianças salvas. Havia
duas listas idênticas, que eu guardava em duas garrafas distintas. Por razões
de segurança não deixava as listas em casa, as enterrava em locais distintos. À
medida que aumentava o número de crianças salvas, as garrafas onde eu guardava
as listas eram desenterradas e novos nomes incluídos".
Ela tinha a esperança de, no final da guerra, localizar as crianças e
informá-las acerca de sua verdadeira origem. Queria que um dia pudessem
recuperar seus nomes, identidade, suas famílias e, principalmente, voltar à sua
fé. Irena fazia as famílias envolvidas no salvamento dos menores prometerem que
os devolveriam a qualquer parente que sobrevivesse à guerra. Infelizmente, nem
todos mantiveram sua palavra. Terminada a guerra, Irena passou anos com as
listas nas mãos, tentando localizar crianças desaparecidas e as reaproximar de
sua verdadeira família.
Sendler e Schultz também ajudaram adultos a fugir do gueto. A fuga era
organizada para quando deixavam o gueto para ir trabalhar. Os guardas eram
subornados para omiti-los em sua contagem diária dos empregados. Os judeus
ficavam escondidos do lado ariano e o Zegota se incumbia de ajudá-los. Parte
das despesas das famílias que davam abrigo a judeus eram pagas por esta
organização que lhes entregava também roupas, alimentos e cupons para leite.
Geralmente, Irena colocava jovens judias para trabalhar como governantas ou
babás. Adotavam um novo nome e, sendo a Polônia um país profundamente católico,
elas deviam aprender pelos menos o básico de sua suposta fé.
A prisão de Pawiak
No dia 20 de outubro de 1943, Irena foi à casa de sua mãe para uma
reunião de amigos. No final da tarde, a Gestapo invadiu o local. Por sorte,
ajudada por uma amiga, ela conseguira esconder documentos que a incriminavam e
uma grande quantia do Zegota destinada à ajuda aos judeus. A busca durou três
horas. Não encontraram nada, mas Irena foi presa e levada à terrível prisão de
Pawiak. Uma de suas colaboradoras havia sido presa e, sob tortura, revelara seu
nome.
O alemão que a interrogou era jovem, com boas maneiras e falava
perfeitamente o polonês. Queria os nomes da liderança do Zegota, endereços e a
relação de todos os envolvidos. Apesar de brutalmente torturada - quebraram-lhe
as duas pernas - ela não cedeu. Sua vontade foi mais forte que a dor.
Recusou-se a trair colaboradores ou crianças. Passou três meses nessa prisão
até ser julgada e condenada à morte. "Todos os dias, ao amanhecer, as
portas das celas eram abertas e eram chamados nomes de pessoas que nunca mais
voltavam. Um dia, meu nome foi chamado"; lembrou Irena em seus
depoimentos.
Irena estava sendo levada para o local onde devia ser fuzilada quando
um agente da Gestapo surgiu com a ordem de conduzi-la a outro interrogatório. O
Zegota conseguira subornar o agente minutos antes da execução; após conduzi-la
a um canto, o nazista mandou-a desaparecer.Estava livre. Na mesma noite, Irena
viu cartazes, nos muros de Varsóvia, com o nome das pessoas executadas. Entre
eles, constava o seu.
A Gestapo não tardou a descobrir o que ocorrera; isto forçou Irena a
viver escondida, sob falsa identidade, até a libertação da Polônia pelos
exércitos russos - exatamente como tantos outros a quem salvara. Mas, mesmo
perseguida pela Gestapo, continuou a atuar.
Fim da guerra
Em 1945, ao término da guerra, sua primeira providência foi
desenterrar as garrafas onde havia guardado as listas com os nomes das crianças
que ajudara a salvar. Passou então a procurá-las para as reunir com pais ou
outros membros de suas famílias. Poucos, porém, estavam vivos. Adolph Berman,
um dirigente do Zegota, decidiu levar 400 crianças para Israel. Apesar de todos
os esforços, até hoje não se tem informações sobre o paradeiro de 500. Talvez
muitas não tenham sobrevivido ou estejam vivendo na Polônia ou em outros
países, sem consciência de sua identidade judaica.
No fim da guerra, os comunistas tomaram conta da Polônia. A política
do novo regime, de forte anti-semitismo oficial, fez com que a história do
Zegota, de Irena Sendler e de tantos outros fosse apagada dos livros de
história do país. A própria Irena foi tachada de fascista por seu trabalho com
o Zegota, durante a guerra, e por ter salvo judeus.
Voltou a trabalhar como assistente social. Levava uma vida simples e
discreta e não falava de seu passado. Seu casamento com Mieczyslaw Sendler
acabara logo após a guerra. Divorciada, casou-se com Stefan Zgrzembski, com
quem teve dois filhos, Janka e Adam.Quando, em 1965, o Instituto Yad Vashem
concedeu a Irena o título de "Justa entre as Nações", os líderes
comunistas não permitiram que ela saísse da Polônia para receber o prêmio. Só
mais tarde, em 1983, pôde receber o título, ocasião em que foi plantada uma
árvore em seu nome.
O ano de 1994 é marcado pela queda do comunismo, na Polônia. Mas a
vida de Irena só iria mudar seis anos mais tarde, quando as 4 jovens americanas
de Uniontown, no Kansas, contataram-na. Irena vivia, à época, em um lar de
idosos, em Varsóvia, presa a uma cadeira de rodas, seu souvenir da Gestapo. Nos
últimos anos, Elzbieta Ficowska, menina a quem salvara aos 5 meses de idade,
ajudava a cuidar dela.
Irena rememora o momento em que soube do projeto das jovens:
"Fiquei boquiaberta e fascinada, a um só tempo; interessada, muito
feliz". Em uma das primeiras cartas de Irena às jovens, escreveu:
"Minha emoção está sendo ofuscada pelo fato de que ninguém do meu círculo
de colaboradores, que viviam arriscando suas vidas, pôde viver o bastante para
desfrutar todas as honras que hoje recaem sobre minha pessoa... Não encontro
palavras para lhes agradecer, minhas queridas meninas... Antes de vocês
escreverem a peça "Life in a Jar", ninguém em meu próprio país e em
todo o mundo se havia preocupado com minha pessoa ou com o trabalho que
desempenhei durante a guerra...".
Em maio de 2001, as 4 jovens, acompanhadas do professor Conrad,
viajaram a Varsóvia para se encontrar com Irena. Na mesma época, a mídia
internacional começa a divulgar sua história. Emocionada, Irena diz às jovens
que elas eram "as resgatadoras da história de Irena perante o mundo".
Ao publicar a história, vários jornais colocaram uma antiga foto dela.
De repente, diversas pessoas a contataram: "Lembro-me de seu rosto... sou
uma daquelas crianças, devo-lhe a minha vida e meu futuro, preciso vê-la!"
No ano de 2003, Irena Sendler recebeu uma carta do papa João Paulo II.
Em março daquele ano foi a vez da Polônia fazer reparações oficiais. Irena é
agraciada com a Ordem da Águia Branca, a mais importante distinção concedida
pelo governo daquele país. Devido ao seu delicado estado de saúde, ela não
participou da cerimônia em sua homenagem, mas enviou Elzbieta Ficowska para ler
uma carta em seu nome. Entre outros, a carta dizia: "Nós e as gerações
futuras precisamos recordar a crueldade e o ódio humano que dominava aqueles
que 'entregaram' seus vizinhos ao inimigo; o ódio que lhes ordenou cometerem
assassinato e a indiferença pela tragédia daqueles que pereceram. Meu sonho é
que esta recordação se torne um alerta ao mundo - para que a humanidade jamais
volte a vivenciar uma tragédia de igual proporção".
No ano seguinte foi publicado um livro sobre sua vida escrito por Anna
Mieszkowska: Mother of the Children of the Holocaust: The Irena Sendler Story.
Em março de 2007 a Polônia prestou-lhe uma homenagem, em sessão solene
na Câmara Superior do Parlamento, tendo seu nome sido indicado para o Prêmio
Nobel da Paz. Neste ano de 2008, em fevereiro, quando celebrou 98 anos, recebeu
das jovens de Kansas a notícia de que a peça sobre sua vida fora representada
pela 254ª. vez, em Toronto, Canadá. Irena partiu deste mundo no dia 12 de maio
de 2008, em Varsóvia. Centenas de pessoas acompanharam seu corpo até sua última
morada, no cemitério de Varsóvia.Na ocasião, o Rabino-chefe ortodoxo da
Polônia, Rabi Michael Schudrich, recitou o Kadish por aquele ser humano tão
nobre.
O Rabino lembrou-a dizendo que esperava que a vida de Irena servisse
de inspiração a outros: "Fomos abençoados com tantos anos em que a tivemos
como exemplo vivo... Ela não apenas salvou crianças judias; salvou também a
alma da Europa... seu exemplo pode ajudar-nos a mudar o mundo... Bastará que
cada pessoa que ouça a sua história tente fazer um ato de bondade por outro ser
humano, dia após dia".
Bibliografia:
Paldiel, Mordecai, The Rightheous Among The Nations, Rescuers of Jews
During The Holocaust, Yad Vashem - The Holocaust Martyrs' and Heroes'
Remembrance Authority.
Life in a jar, The Irena Sendler project, www.irenasendler.org
Artigo do International Herald tribune, Poland holds memorial service
for Irena Sendler, 15 maio de 2008
Comentários