O Entre Guerras (1919-1939) e a Quebra da Bolsa de Nova Iorque (1929)

O Período Entre-Guerras (1919-1939)
O continente europeu saira da Guerra completamente arrasado. Estavam em ruínas toda a infra-estrutura econômica erigida por séculos: a rede de estradas, as ferrovias, os portos, os parques industriais, cidades e vilas. Dentre tudo isto aquilo de maior valor, no caso as vidas extintas e outro sem número de feridos, aleijados e traumatizados.

Tanta destruição tornava impraticável qualquer tentativa de reconstrução que fosse iniciativa dos europeus engolidos pela guerra, pois faltava o necessário para os estados nacionais de sistema econômico capitalista se reerguerem, no caso, capital.

Aquilo que, por sua vez, era escasso na Europa, no pós-Primeira Guerra Mundial, podia ser encontrada em grande oferta nos Estados Unidos. Os país que entrará na Guerra para "correr os últimos 10 metros de 100" e garantir a vitória da Entente e do mesmo modo a quitação da dívida que os mesmos contraíram junto aos bancos estadunidenses, estavam com sua economia pujante, principalmente porque a guerra acontecera no quintal do vizinho e o papel do Estado, das corporações e bancos estadunidenses fora o de patrocinar os seus aliados fornecendo aos mesmos industrializados, armamentos, bens de consumo e, como foi dito acima, capital.

Não de outra forma, a economia estadunidense do período crescera de forma acentuada, pois dentro da guerra foram fornecedores de tudo aquilo que os seus aliados da Entente não estavam produzindo em causa de uma economia voltada para a produção de guerra.

Assim, os Estados Unidos patrocinaram a reconstrução do continente europeu, com os empréstimos cedidos pelos seus bancos, tal como, abarrotaram os mercados europeus com industrializados diversos e outras tantas quinquilharias materiais e culturais, em situação privilegiada, dado que, não havia forma de encontrarem concorrência europeia nos anos imediatamente posteriores à guerra.

A jovem nação encontrava, então, de modo precoce a condição de potência e logo após a Primeira Guerra Mundial, com todas as tradicionais economias industrializadas arruinadas colocava-se o cenário propício para consolidar o seu poder econômico e político, dado que, ainda demoraria quase uma década para as economias europeias consolidarem algum tipo de concorrência aos industrializados estadunidenses.

O findar da década de ouro
Vítimas da enchente de Louisville. Margaret Bourke White, 1937.

A condição privilegiada na qual se encontrava a economia estadunidense não se alongaria para mais de uma década. Afinal, as economias europeias e industrializadas não ficariam latentes por toda a eternidade. Ao contrário, se recuperaram de modo aceitável e pouco perceptível para as grandes corporações estadunidenses.

O resultado foi um crise de superprodução sem precedentes, pois havia uma oferta excessivamente maior do que a demanda europeia pelos industrializados estadunidenses. Mas antes de entender como a quebra de uma economia causa efeitos tão devastadores em outras economias pelo mundo, é preciso fazer algumas considerações prévias.

O que é uma "Bolsa de Valores"?
Uma Bolsa de Valores é algo parecido com um Mercado. Só que diferentemente daquele no qual nós estamos acostumados a fazer as nossas compras, pois nós não encontramos neste tipo de mercado, mercadorias de consumo diverso, como pastas de dentes, barras de chocolates, refrigerantes gaseificados, entre outros.

Logo, se uma Bolsa de Valores é um Mercado distinto, a mercadoria que se vende e se compra no mesmo é também distinta. Portanto, o nome dado a mercadoria que se compra em uma Bolsa de Valores é chamada de AÇÃO. Uma ação, por sua vez, são pequenos pedaços de empresas em formas de papéis.

Mas porque, diabos, as empresas acabam optando por dividir-se em muitos papéis que significam uma pequena fração de representatividade dentro das mesmas?

Bem, a escolha por dividir-se em títulos de ações dá-se como forma de capitalizar uma empresa. Digamos, por exemplo, que eu sou dono de uma rede de lanchonetes e preciso de 10 milhões de reais para expandir os meus negócios pelo Brasil. Para a minha total decepção eu não possuo os 10 milhões necessários.

O que eu poderia então fazer para conseguir o dinheiro que não tenho? Bem, basicamente, são duas as alternativas: 1) pegar um empréstimo junto à Bancos; 2) Capitalizar a empresa dividindo-a em pequenos pedaços, no caso, ações para serem vendidas no único tipo de mercado onde eu posso fazer isto, no caso, a Bolsa.

Só que é aquele negócio, não: Para que hajam pessoas interessadas na mercadoria-ação, um pedaço da minha empresa lanchonete, deve necessariamente ser lucrativa. E porque? Por que basicamente são dois os tipos de compradores de ações que podemos encontrar em uma Bolsa. Um deles é o investidor-especulador (que no caso busca comprar ações com o preço baixo para revendê-las com o preço alto); por sua vez, o outro é o investidor-acionista (este visa acumular um grande número de ações para conseguir representatividade política dentro das empresas das quais estão comprando as ações). Embora possuam nomes distintos, ambos visam basicamente a mesma coisa, no caso, lucrar com a mercadoria-ação que compraram, embora os meios que buscam para isto sejam distintos.

No entanto, só se consegue lucro vendendo uma mercadoria quando há pessoas desejando a mesma. Logo, quanto maior o número de pessoas procurando uma mesma mercadoria, maior o valor da mesma. Por sua vez, quanto menor o número de pessoas procurando uma mesma mercadoria, menor é o valor da mesma. Em outras palavras, o que define o valor de uma mercadoria-ação no Mercado-Bolsa são as leis da oferta e da procura, que decorrem, é claro, da valorização da mercadoria-ação, ou em outras palavras, da possibilidade de lucro futuro que se tem a partir da compra da mesma.

Deste modo, se em um Mercado comum, nós compramos mercadorias para consumí-las, em outro tipo de Mercado como a Bolsa de Valores a mercadorias são compradas já com a perspectiva de que elas serão vendidas por um preço maior do que aquele que se pagou na compra da mesma. Ou ainda, compra-se a mesma buscando acumulá-las para se ter algum controle acionário (poder de decisão) dentro de uma empresa.

Bem, como vimos há pontos em comum e distintos entre um Mercado Comum e um Mercado de Ações. Vamos discutir agora outro ponto importante, no caso, a falência ou a quebra do Mercado. Imagine agora que você possui um Mercado e que após abarrotar as suas prateleiras com produtos, até o final do mês você não conseguiu nenhum comprador. Com certeza se este cenário se repetisse pelos próximos meses você decretaria falência, pois para que continue com o seu negócio você precisa indubitávelmente de COMPRADORES.

A mesma lógica pode ser associada a uma Bolsa de Valores (Mercado de Ações), pois se nela não houver compradores, o resultado será a Quebra. Deste modo fica fácil responder a seguinte questão: Mas porque diabos, então, a Bolsa de Valores de Nova Iorque quebrou em 1929? Simplesmente, porque não havia mais compradores para as ações que eram vendidas naquele Mercado de Ações.

Mas por qual diabo os investidores não queriam mais comprar as ações na Bolsa de Valores de Nova Iorque em 1929? Responderei com outra pergunta: Se você fosse a um Mercado comprar uma caixa de leite, você a compraria se a mesma tivesse estragada? Obviamente a resposta seria NÃO. Bem, a conclusão que os investidores da Bolsa chegaram foi a mesma conclusão que você chegou, afinal quem compraria ações-podres.

Chamo aqui de ações-podres aquele pedacinho de empresa que foi posta à venda e de modo algum irá gerar lucro futuro para àquele que o comprou, pois a empresa que a colocou a venda, assim o fez mesmo sabendo que a sua empresa não gera o mesmo lucro que de forma fraudulenta divulgou para haver maior interesse pela ação-posta a venda.

Vítima, portanto, de uma espécie de propaganda enganosa o investidor afasta-se do mercado de ações, pois não se sente seguro em comprar ações em um Mercado que não lhe dá segurança sobre a perspectiva de que irá lucrar com a venda de ações no futuro.

Para concluir, quando falamos, então, da crise de 1929 após a quebra da economia estadunidense simbolizada pela Quebra da Bolsa de Nova Iorque, falamos também de uma crise de confiança dos especuladores e investidores da Bolsa de Nova Iorque, porque os mesmos não se sentiam seguros em comprar ações em um Mercado que vendia títulos podres de empresas que divulgavam, de forma fraudulenta dados positivos sobre o lucro que vinham obtendo, quando na verdade o patrimônio das mesmas tinha sido pulverizadas em causa de uma péssima projeção sobre o consumo de bens industriais pelos países Europeus. Com as suas economias relativamente recuperadas na metade da década de 1920, os industrializados estadunidenses abarrotaram os mercados causando uma desvalorização sem precedentes no preço dos mesmos.

Consequências da Crise Econômica Estadunidense
A) Tá bem, a bolsa quebrou, mas quais os efeitos disto na vida da camadas populares dos Estados Unidos?
Sempre interessante e pertinente começar toda e qualquer investigação histórica tomando como ponto de partida uma fonte documental. Vamos a ela, então.

Em 1932, a Câmara dos Deputados do Estados Unidos realizou inúmeras audiências perante um subcomitê com o objetivo de investigar a questão do desemprego no país ocasionado pela grande Depressão. O que se segue abaixo é um registro do depoimento de Oscar Amerinder em uma dessas audiências.



Durante os últimos três meses, eu (Oscar Amerinder, de Oklahoma City) visitei, como já disse, uns vinte Estados deste belo país extraordinariamente rico. Eis algumas das coisas que vi e ouvi. Alguns cidadãos de Montana disseram que havia milhares de alqueires de trigo abandonado nos campos porque seu baixo preço mal dava para cobrir as despesas da colheita.

Em Oregon, vi milhares de alqueires de maçã apodrecendo nos pomares. Somente as maçãs absolutamente perfeitas podiam ser vendidas, por 40 ou 50 centavos a caixa de duzentas maçãs. Ao mesmo tempo, há milhões de crianças que, por causa da pobreza de seus pais, não comerão maçã alguma neste inverno.

Enquanto estava em Oregon, o Portland Oregonian lamentava o fato de milhares de ovelhas serem sacrificadas pelos criadores por não renderem no mercado o suficiente para pagar seu transporte. Enquanto em Oregon os urubus comiam carne de carneiro, vi pessoas procurando restos de carne nas latas de lixo de Nova York e Chicago.

Conversei com um homem num restaurante em Chicago. Ele me falou de sua experiência como criador de carneiros. Disse que no outono tinha sacrificado e atirado ao canyon 3.000 carneiros, porque o transporte de um carneiro custava 1.10 dólar e lucraria menos de 1 dólar por cabeça. Disse que não tinha recursos para alimentar os carneiros e não queria deixá-los morrer à míngua. Por isso, cortava-lhes o pescoço e os atirava no canyon.

As estradas do oeste e do sudoeste pululam de pessoas famintas pedindo carona. As fogueiras dos acampamentos dos desabrigados são visíveis ao longo de todas as estradas de ferro. Vi homens, mulheres e crianças caminhando penosamente pelas estradas. A maioria deles (...) eram proprietários de fazendas que tinham perdido tudo na recente baixa de preço do trigo e do algodão (...).

Os fazendeiros estão sendo pauperizados pela pobreza das populações industriais, e as populações industriais pauperizadas pela pobreza dos fazendeiros. Nenhum deles tem dinheiro para comprar o produto do outro: Consequentemente há excesso de produção e carência de consumo, ao mesmo tempo e no mesmo país”.

Depoimento de Oscar Ameringer. In:ROBERTS, J. M. As ondas de propagação da crise. In: ROBERTS, J. M. História do século XX. São Paulo: Abril, 1974. v. 3. p. 1 349.


O depoimento de Oscar Ameringer é interessantíssimo por não só nos apresentar nas entrelinhas os efeitos da crise econômica nas vidas das camadas populares, como também, nas vidas dos proprietários de terras. Vai além quando afirma que: "Nenhum deles tem dinheiro para comprar o produto do outro".

Com isto, demonstra que não há dinheiro suficiente circulando na economia local estadunidense. Não há dinheiro suficiente por um motivo simples: Se a burguesia industrial estadunidense produziu entusiasticamente sem se dar conta de que os europeus não necessitariam ao final da década de 1920 do mesmo volume de industrializados que consumiram no início do século, ao final da década o cenário será de superprodução. A larga oferta de produtos no mercado local estadunidense é tamanha que os preços ficam abaixo do valor de custo. Chamamos de preço de custo o valor gasto para se produzir alguma coisa, em outras palavras, o dinheiro gasto com mão-de-obra, energia, transporte e impostos.

Para produtores industriais e rurais não conseguir comercializar os seus produtos em situação vantajosa onde haja lucro, significa a falência. Toda empresa falida demite o seu corpo de funcionários. Todo funcionário demitido deixa de receber salário. Sem salário, no sistema capitalista, o desempregado deixa de ser consumidor. Sem consumidores o setor comercial (terceiro setor) encolhe ou desaparece e também demite.

É a esta profunda Crise Econômica que a Quebra da Bolsa de Nova Iorque ilustra. Na verdade a Quebra da Bolsa é apenas a ponta do iceberg. Afinal, para que os investidores do Mercado de Ações de Nova Iorque se dessem conta de que o valor das Ações eram menores do que o valor real das empresas, as próprias empresas foram ao longo da segunda metade da década de 1920 apresentando os sinais de crise, imperceptíveis para investidores tão entusiasmados com o lucro rápido.

Falamos, portanto, de uma crise profunda e que não atinge somente o setor financeiro (Bolsa de Valores, Bancos), mas, sobretudo o setor produtivo e todos aqueles relacionados a ele. Assim, a burguesia industrial e os proprietários de terras sentiram os vossos efeitos. Muitos foram a bancarrota. O que jamais podemos esquecer, neste interím, é que não existe economia sem pessoas. Logo, toda crise econômica, aponta necessariamente para uma crise social. Em outras palavras, dentro do sistema econômico capitalista não havendo a possibilidade de se vender o seu tempo, o seu conhecimento e a sua força, torna-se impossível adquirir o valor necessário para trocar por mercadorias indispensáveis à sobrevivência humana. O número de indigentes, de marginalizados, portanto, nos Estados Unidos é imenso e o depoimento de Oscar Ameringer também é ilustrativo neste aspecto.


O texto acima é de autoria de Alek Sander de Carvalho e a reprodução do mesmo só é permitida SE: 1) NÃO FOR FEITA USO COMERCIAL DA MESMA; 2) FOR CITADA A FONTE.

Em Breve mais dois capítulos desta história!
B) A CONSEQUÊNCIA DA CRISE ECONÔMICA NA EUROPA: Ausência de capital estadunidense para que fosse dada continuidade a recuperação econômica dos europeus.

C) O REFLEXO NO BRASIL: A elite agrária cafeeira do Brasil quebra. A desarticulação da aliança política entre mineiros e paulistas e a "Revolução de 1930".

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