Egito Antigo: Documentos

Documento 1
Papiro do escriba Hunefer de cerca de 1370 a.C. Cena do Livro dos Mortos.

Segundo o papiro acima, após a morte, a alma do falecido levava consigo o Livro dos Mortos, pois este provava as qualidades que ele teve em vida.

A sua alma seria então, conduzida por aquele que era o guia da alma no Mundo dos Mortos, no caso, o deus Anúbis até o tribunal de Osíris. Antropomórfico (parte humano e parte animal), como praticamente todas as representações dos Deuses do Egito Antigo, Anúbis possui a cabeça de Chacal. Não custa lembrar que o Chacal, animal da Família dos Canídeos, que habitam regiões desérticas como a egípcia, possuem hábitos noturnos, até porque os dias são de um calor mortificante.

O que é interessante destacar, neste ponto, são os valores culturais dos egípcios e a forma binária como pareciam ver a vida. No caso, o dia e a noite, o Mundo dos Vivos e o Mundo dos Mortos, o baixo nível do Nilo e o período das cheias, a colheita e a destruição das áreas agrícolas, a vida e a morte, em um eterno, ininterrupto ciclo. O Chacal, portanto, animal de hábitos noturnos, com os seus sentidos extremamente desenvolvidos para que consiga ter sucesso em sua caça noturna no deserto, era aquele que transitava na parte que simbolicamente representava, para os egípcios, a Morte.

Bem, retomando a discussão, antes de ser levado por Anúbis à presença de Osíris para ser julgado, o coração da alma do morto seria pesado. Aliás, o coração era o único órgão não retirado do corpo de um cadáver que passaria por um processo de mumificação.

Bom, o coração da alma não seria pesado em uma balança qualquer, pois esta diria se o coração da alma que ali estava, era puro. Para tanto, o coração deveria pesar menos que a pena que era colocada em um dos dois pratos da balança. Ponto interessante para pensarmos sobre os valores morais dos egípcios antigos.

Toth, o deus da Sabedoria e da Justiça, registrava o resultado da pesagem. Este deus também era representado de forma antropomórfica, logo, tinha a cabeça de uma ave chamada Íbis. Para os egípcios da Antiguidade,  a Íbis era a ave que tinha a sabedoria de reconhecer quando estava chegando a época das enchentes. Anúncio importantíssimo, tendo em vista, que estamos falando de um povo que tinha como atividade econômica principal, a atividade agrícola. Logo, para todo povo que pratica a agricultura, criar uma consciência sobre a passagem das estações no tempo anual era indispensável, para que não se perdesse tempo e energia com trabalho desnecessário e de repente se colocasse em risco toda a comunidade, com perdas que pudessem ocasionar fome.

Do mesmo modo, como plantar em época errada do ano poderia significar a morte de todo um povo, ter o coração mais pesado do que a pena, significava ter um coração impuro. As infrações praticadas no Mundo dos Vivos eram, então, penalizadas com a Segunda (e definitiva) Morte, no Mundo dos Mortos. Afinal, uma alma impura era a consequência de um coração impuro, e tê-lo significava ter infringido diversos valores morais aceitos pelos egípcios antigos. Dá para se ter uma idéia destes valores tendo em vista aquilo que a alma que está sendo levada a julgamento diz a Osíris. Em parágrafo a frente a mesma será apresentada. Enfim, se o encerramento do ciclo do Nilo, ou da alternância entre o dia e a noite, tão fundamental para os egípcios antigos, significava a mais completa destruição enquanto povo, uma alma impura jamais retornaria a carne (reencarnaria), pois seria devorada, após o julgamento, pela Deusa Devoradora do Poente ou Ammut (mais uma vez uma alusão à noite).

No entanto, sendo o coração mais leve do que a pena, a alma pura era levado ao conhecimento de Osíris, por seu filho Hórus, juntamente com a alma do morto, para ser julgada. A cabeça de Hórus é a de um Falcão, animal associado ao céu. O olho direito representa o Sol, astro indispensável para a vida em nosso planeta, enquanto o esquerdo, ferido por Seth, a Lua, satélite responsável por muitos fenômenos em nosso planeta. A importância, portanto, de ambos os corpos celestes para este povo antigo é imensa. Por fim, Hórus era considerado o rei do Mundo dos Vivos.

Finalmente na presença de Osíris, a alma que seria julgada, fazia a sua confissão: "Saudações ao grande deus. Eu venho até você e trago a Verdade e a Justiça. Eu não maltratei as pessoas; eu não blasfemei contra os deuses, eu não matei. Eu sou puro! Eu sou puro! Eu sou puro!"

No tribunal, ela seria julgada pelo deus Osíris na presença de 42 deuses (42 eram o número de nomos [cidades-estado] que o faraó governava no Egito Antigo).

Se após o julgamento a alma fosse considerada impura, ela seria comida por uma deusa com cabeça de crocodilo, cujo corpo era uma mistura entre o leão e o hipopótamo, todos animais presentes no Nilo e muito temidos pelo povo. 

Agora se fosse pura a alma, ela seria absolvida e retornaria para encontrar o corpo conservado pela técnica da mumificação.

Para ajudar no retorno da alma considerada pura por Osíris, os sacerdotes egípcios pintavam o interior das pirâmides e escreviam a história do faraó, para que, este na caminhada de encontro ao seu corpo, relembrasse a vida que teve.

Foi deste modo que as narrativas sobre a vida de vários faraós, nobres e funcionários do Estado, acabaram chegando ao tempo presente para ser estudado pelos historiadores.

Texto: Alek Sander de Carvalho.
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Documento 2
Sobre a vida de um camponês no Egito Antigo
"Não te lembras da condição do lavrador, na ocasião em que taxam a colheita? Os vermes-lhe comem metade do grão e o hipopótamo comeu o resto. (...) Chega então o escriba do imposto e taxa a colheita (...) E dizem: - Dá os grãos! [grifo meu: diz o lavrador] Não os há, (...) Então eles batem no lavrador, caído no chão; deitam-no a um fosso de cabeça para baixo"
Fonte: FREITAS, Gustavo de. 900 textos e documentos de História. Lisboa: Plátano, 1977. p.43-44.

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